Ryhã Henrique Caetano e Souza[1]


Paulo Freire

Paz e Terra,1967.

149 Páginas



[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Instituto Federal do Triangulo Mineiro (IFTM). Membro do grupo de pesquisa Políticas, Educação e Cidadania (Polis) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Professor da Secretaria de Estado de Educação (SEE) de Minas Gerais. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3688-4325.  E-mail: ryhasouza@gmail.com



 

O Livro: Educação como prática de liberdade, escrito por Paulo Freire[1] e publicado primeiramente pela editora Paz e Terra possuí cento e vinte três páginas. Subdividido em introdução, quatro capítulos, onde o autor irá expor suas percepções acerca do modelo educacional da sociedade brasileira, e as formas e motivos pelos quais o ensino ainda não carrega no brasil a possibilidade de liberdade crítica do educando.

Além disso, há a apêndice do livro que nos traz exemplificações em imagens e em texto explicativo do método e modelo adotado por Paulo Freire e os círculos de cultura na educação de jovens e adultos analfabetos pelo Brasil. Ademais, cabe ressaltar que o texto escrito por Freire está imbricado pelo seu contexto histórico.

À época de sua publicação, o Estado brasileiro havia suplantado sua ordem constitucional e deposto um presidente com o uso das armas. Militares, apoiados por uma elite econômica, política e cultural e com anuência da classe média urbana, deflagrou o que passaria a história como o Golpe civil militar[2] de 1964.  No entanto, as liberdades civis e os direitos constitucionais ainda não haviam sido cassados pelo famigerado AI-5[3] de dezembro de 1968.

No entanto, o livro de Paulo Freire está historicamente marcado e ideologicamente fará contraponto as possibilidades de educação, fomentadas pelo regime político vigente, que minou uma experiência de educação democrática. Todavia, conforme Weffort nos aponta na introdução, a importância do método e da obra de freire transcendem o período histórico com o qual foi confrontado.

Doravante, após essa breve contextualização iremos abordar cada uma das secções do livro. Salientamos aqui, que a presente resenha fará apontamentos entre o momento histórico vivido por Paulo Freire e atual conjuntura da educação e da política brasileira.

A introdução à obra de Paulo Freire é feita por Francisco Weffort[4]. Nesta secção, o eminente cientista político, traça um panorama histórico-social do movimento de educação popular iniciado em Angicos e como este projeto de Freire repercutiu entre setores da sociedade brasileira de diferentes formas.

Assim, Weffort nos apresenta uma conjuntura histórica complexa e delicada que teve início, segundo ele, após ano de 1962 com a mobilização e organização de sindicatos do campo e da cidade, além de grupos de cultura popular pelo Brasil.

Weffort nos assinala, que esta organização das massas e sua ascensão política cultural no cenário brasileiro, passa a ser percebida com maus olhos pelas elites tradicionais, e que após a adesão do governo Federal, na figura de Goulart, ao projeto de Paulo Freire, ambos passam a ser atacados politicamente por estas mesmas elites.

 Os ataques, segundo Francisco Weffort, tomavam o projeto de freire como subversivo e perigoso a ordem pública. Segundo o autor, as críticas não se centraram no projeto pedagógico freiriano e sim no sujeito promotor deste projeto. Parta Weffort, o motivo de tais discursos se relacionavam diretamente a característica histórica brasileira de alijar o povo do processo político. Ou seja, os críticos desejavam uma democracia sem povo, algo incompreensível e impensável para Paulo Freire.

Weffort, ainda na introdução, nos traz a perspectiva transcendental do pensamento e do projeto educacional de Freire, pois, segundo ele, essa visão educacional de freire é algo que pode servir de projeto libertador a todos os povos dominados da terra, em especial aos do terceiro mundo.

Weffort, assim como para Paulo Freire, acredita que a democracia brasileira só se efetivará a partir do momento que todos possuíssem e detivessem mecanismos e instrumentos capazes de transformar a consciência ingênua e mítica do povo brasileiro em uma consciência crítica.

Em seu primeiro capitulo intitulado: “A sociedade em transição”, Paulo freire faz uma análise acerca da sociedade brasileira e sua constituição histórica e como esta herança afeta a educação. O autor explana ao leitor sobre o alvo de seu ensaio: a luta por uma educação libertária, que retire o homem de seu estado de dominação e acomodação, onde sua consciência é ingênua e o eleve a um estado de inquietação crítica, onde sua consciência terá como característica a criticidade.

Paulo freire, neste primeiro capítulo, busca demonstrar como a realidade é importante para a construção do conhecimento. Assim, defende o autor que o homem não deve estar na realidade e sim com ela. Cabe ao homem, por meio da educação, perceber o seu lugar no mundo e sua capacidade de transformação e modificação de si e de seu entorno.

Explica-nos Freire, que antes do movimento de educação popular, o Brasil vivia em uma “sociedade fechada”, onde predominava os interesses hegemônicos[5] de uma elite econômica, intelectual e cultural. Nesta sociedade, anterior aos movimentos de educação popular, o povo estava, segundo o autor, “separado” do processo democrático e das decisões políticas.

Assim, o autor aponta-nos para uma sociedade posterior ao movimento de educação popular e anterior ao golpe, denominando-o de sociedade em trânsito. Para o autor, a sociedade brasileira caminhava, antes do golpe de 1964, para uma “sociedade aberta”, no que diz respeito à participação democrática.  Nesse sentido, Paulo Freire nos aponta alguns conceitos que tornaram a leitura de sua obra e de seu método mais fáceis: identidade humana, pluralidade, consciência ingênua e consciência crítica e o próprio conceito de criticidade. 

Primeiramente, Paulo Freire nos diz que o processo de acomodação, característico da “sociedade fechada”, é estranho ao homem, não sendo parte de sua essência. No entanto, em seu ensaio, ele reconhece que este estado tem vigorado. Sendo assim, cabe à educação, a integração entre o homem e sua realidade, fazendo com que este a apreenda de forma crítica e por meio da observação.

Dessarte, Freire afirma, que na “sociedade aberta”, a necessidade de formação de uma identidade, que seja plural e compreenda as diversas manifestações individuais e coletivas, possibilitará ao homem a integração, que é para o autor, a forma de superação da sociedade fechada.  Após a integração, o homem será capaz de perceber a realidade, compreende-la e transformá-la. Segundo Paulo freire: “o homem integrado é o homem sujeito”.

Observamos, aqui, a atemporalidade do ensaio de Paulo Freire. Para o autor, a massificação tem impossibilitado o homem de exercer sua principal capacidade: a de decidir e, principalmente, a de decidir de forma crítica e livre, conforme seus interesses.  Compactuamos com a visão do autor, que enxerga, na vida do homem moderno, o domínio deste pelos mitos gerados e difundidos por meio da massificação das mídias e da publicidade.

Ademais, acreditamos que esta observação é atemporal a tal ponto que nos possibilita compreender e analisar a atual conjuntura nacional. Para Freire, como para nós, a massificação leva ao sectarismo, que, por sua vez, leva-nos ao “irracionalismo”. Esta leitura de Paulo Freire sobre a sociedade brasileira de 1967, podia tranquilamente, a nosso ver, ser aferida a sociedade brasileira de 2021[6].

Logo, é necessária uma educação para a conscientização[7], pois, como nos lembra Freire, a sociedade do trânsito ora avança ora recua e, portanto, o desenvolvimento de um pensamento crítico irá radicalizar-se perante o pensamento hegemônico. Esta radicalização é inclusive, para Freire, motor de transformação, pois ocorre de forma dialogada entre avanços e retrocessos, em constante dialética.

No capítulo seguinte, denominado: “Sociedade Fechada e inexperiência democrática”[8], o autor busca averiguar as estruturas de formação da sociedade brasileira e da continuidade a sua  análise de que o Brasil está passando por um período de transição.

Esta compreensão, faz com que Freire situe a sociedade fechada como resquício do domínio português e da sociedade escravocrata que perdurou no Brasil por três séculos. Assim, interessa ao autor analisar “as linhas fundamentais desta marca, que vem sendo e continuará a ser um dos pontos de estrangulamento de nossa democratização.” Aqui, podemos observar a similaridade de sua análise com a de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, dentre outros, que compreendem que a inexperiência democrática brasileira e o alijamento do povo do processo político muito contribuiu e contribui para a não efetivação do desenvolvimento nacional.

Neste capítulo, Paulo Freire irá sistematicamente nos chamar a atenção para o fato de que o Brasil nasceu e se desenvolveu sem experiência de diálogo, portanto, sem experiência democrática.  O autor se atém ao fato de que a sociedade brasileira é historicamente hierarquizada política e socialmente. E que o avanço e o crescimento urbano ao contrário de outras nações não nos possibilitaram a inserção das massas na vida pública. Assim sendo, Freira nos chama atenção para o fato de que as mudanças materiais e organizacionais da sociedade brasileira, não foram fatores geradores de uma nova hierarquização político-social e tão pouco contribuíram para a conscientização pública.

Na sociedade Fechada de Paulo Freire, a massificação e a hierarquização possibilitam o nascimento de sectarismos, fanatismos e radicalismos, além disso, a massificação leva a renúncia da capacidade criadora e transformadora que o homem possui, sendo o elemento que possibilita sua transcendência por ser este o principal fator que torna viável a produção de cultura.  

A cerca disso, observamos, portanto, que a massificação e a hierarquização dificultam a passagem da sociedade fechada para a sociedade aberta. E é neste contexto, que o projeto de educação popular proposto por Freire irá nascer. O objetivo, segundo o autor, de seu empreendimento é o diálogo e a construção ativa do conhecimento. Dessa forma, para Freire, a educação só se tornará instrumento de modificação da realidade se dialogar com a língua e a realidade do povo.

A proposta alvitrada por Freire era, portanto, contribuir para o amadurecimento da sociedade brasileira e colaborar para a passagem da sociedade fechada de consciência ingênua, para a sociedade aberta de consciência crítica. Essa proposta encontra no governo progressista de Goulart acolhimento e será implementada, como dizemos anteriormente, por esse governo. Essa contradição da prática freiriana, de dispor da estrutura do ministério da educação para execução de seu programa, é para nós um feitio que deve ser apontado como elemento antagônico dentro do projeto e que, no entanto, não iremos nos aprofundar neste escrito. De toda forma, acreditamos que a tarefa de consolidação desta nova sociedade custou a Paulo Freire sua imagem, liberdade e exílio.

No terceiro capítulo de sua obra, Paulo freire irá discorrer acerca da educação como contraponto a massificação. O capítulo é intitulado: Educação “Versus” Massificação. O autor propõe distinguir e refletir acerca da educação como meio de construção e transformação da realidade. Assim, Freire nos demonstra como a massificação do pensamento, seja ele construído pelas mídias ou pela escola de pedagogia tradicional, se modela como elemento e fator de concretização da sociedade fechada, hierarquizada e antidemocrática. E que somente após a superação desta massificação e deste modelo educacional é que de fato teremos uma educação libertadora. Para freire, a educação deve ser capaz de elevar a consciência da sua fase ingênua a fase crítica.

Dessa maneira, para Freire, é preciso que se transforme a escola e a educação e que este novo padrão se afaste do modelo tradicional. Trata-se, portanto, na perspectiva do autor, de superação do paradigma clássico. A escola para o autor não é o espaço de arbitrariedade e de coerção, pois “a educação é um ato de amor” e um ato que só se concretiza no diálogo e na criticidade.

Ademais, ao analisar a relação entre a massificação versus educação, Freire nos chama atenção para o fato de que não são só as mídias e a educação tradicional que massificam o homem em nosso atual momento histórico, mas também o trabalho, pois o trabalho mecanizado e automatizado suprime a força criativa e a capacidade humana de transformação da realidade por meio dele. Assim:

 

O nosso grande desafio, por isso mesmo, nas novas condições da vida brasileira, não era só o alarmante índice de analfabetismo e a sua superação. Não seria a exclusiva superação do analfabetismo que levaria a rebelião popular à inserção. A alfabetização puramente mecânica. O problema para nós prosseguia e transcendia a superação do analfabetismo e se situava na necessidade de superarmos também a nossa inexperiência democrática. (FREIRE, 1967, p. 94).

 

Esta percepção de Paulo Freire é o que o levará ao último capítulo de seu livro intitulado: Educação e Conscientização. Neste trecho de sua obra, o autor irá demonstrar sua preocupação com a democratização da cultura. Segundo ele, a falta de acesso de determinados grupos socias a diferentes culturas e saberes, contribui para o déficit alarmante na educação brasileira, favorecendo, por este motivo, a massificação cultural e dificultando, por outro lado, a democratização da sociedade.

Sendo assim, é neste capítulo que o autor apresenta sua experiência com o ensino de adultos e como esse se desenvolve em seu método de ensino. Para Freire, a educação deve ser dialogada e construída a partir da realidade do educando, portanto, as cartilhas gerais e uniformizantes são para ele parte da massificação do conhecimento, produzindo um sujeito apático e que não compreende a educação como parte necessária em sua formação enquanto ser humano.

Dessa forma, a sugestão de Paulo é que se construa uma educação sem “decorebas” e fórmulas prontas. É necessário, a seu ver para o desenvolvimento do ensino, da alfabetização e da criticidade, partir da realidade do discente e através dela construir, por meio de uma rede dialogal, o saber.  Nesta proposta de ensino, se faz imprescindível que o aluno deixe de ser um mero receptor e torne-se um sujeito ativo e incluso no processo de ensino aprendizagem. A educação deve motivar o homem a desconfiar, criticar, indagar e transformar sua realidade.

 

O que teríamos de fazer, uma sociedade em transição como a nossa, inserida no processo de democratização fundamental, com o povo em grande parte emergindo, era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ele na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica. (FREIRE,1967, p.106)

 

Recomendamos a obra a todos àqueles que desejam e que aspiram por uma educação transformadora e acreditam na educação e nos docentes como agentes de mudança. Além disso, acreditamos que o livro também se prestará a todos aqueles que desejam compreender a historicidade da educação brasileira, suas dificuldades e possibilidades. Ademais, recomendamos a leitura a todos que desejam estudar e refletir com e sobre a obra de Paulo Freire. 

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de– São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

NAPOLITANO, Marcos, 1964: História do Regime Militar Brasileiro, Contexto, 2014.



[1] Foi um educador e filosofo brasileiro considerado, conforme, lei federal nº 12.612. Patrono da educação brasileira. Reconhecimento internacionalmente foi um dos influenciadores do movimento chamado Pedagogia Critica. 

[2] Adotamos essa terminologia para nos referendarmos ao período, conforme, Marcos Napolitano em sua obra: 1964: História do Regime Militar Brasileiro

[3] O ato institucional número cinco entrou em vigor no Governo Costa e Silva e concedeu ao presidente da República poderes do legislativo, bem como, autorizou a censura prévia. Além disso, tornou ilegal qualquer reunião política que não possuísse autorização policial.

[4] Francisco Weffort é um eminente cientista politico brasileiro autor de diversos livros e artigos acadêmicos. Foi ministro da cultura do Governo Fernando Henrique Cardoso.

[5] O termo hegemônico aqui adotado é fundamentado na teoria e na perspectiva Gramsciana. Nesta concepção a luta contra a classe dirigente na sociedade de classes está presente na sociedade civil aqui compreendida como a somatória de sociedade civil e sociedade política.

[6]  Para mais recomendamos a leitura da obra: O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Coleção Tinta Vermelha). Boitempo Editorial.

[7] A respeito deste assunto recomendamos a obra: Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire – São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

[8] Grifos nossos.