Paulo
Freire.
Paz e Terra. 1967.
Sandra Mara Trindade[1]
[1] Graduada em Biblioteconomia pelo
Centro Universitário de Formiga. Bibliotecária do Instituto Federal do
Triângulo Mineiro- Campus Uberaba, mestranda do Programa de Pós-graduação em
Educação Profissional e Tecnológica- Campus Avançado Uberaba Parque
Tecnológico. e-mail: sandramara@iftm.edu.br
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.5501983
O livro Educação como prática da liberdade, foi escrito por Paulo Freire em
1967, contém 157 páginas, foi publicado pela editora Paz e Terra. O mesmo
apresenta um prefácio escrito por Pierre Furter; introdução escrita por
Francisco C. Weffort intitula-se Educação e política: reflexões sobre uma pedagogia
de liberdade; e quatro capítulos. O
primeiro capítulo, Sociedade em Transição. O segundo, A Sociedade Fechada e a
Inexperiência Democrática. O terceiro, Educação versus Massificação. E o último
capítulo, Educação e Conscientização.
No prefácio Pierre Furter, discorre sobre a vida de Paulo Freire, sobre o
poder da palavra, a dialética da continuidade e descontinuidade. A importância
da oralidade do pedagogo, sua práxis, que foi criado para comunicar com outros.
E ressalta que, uma educação como prática de liberdade só poderá realizar
plenamente numa sociedade, onde existem as condições econômicas, sociais e
políticas de uma existência em liberdade.
Na introdução Educação e Política (reflexões sociológicas de uma pedagogia
de liberdade) Francisco C. Weffort, discorre a visão pedagógica, o método de
ensino e as marcas vividas pelo Brasil nas últimas décadas de Paulo Freire.
Destaca a etapa crucial pela emergência política das classes populares e a
crise das elites dominantes. Propõe uma pedagogia de liberdade (para homens
livres) que é o reconhecimento dos privilégios da prática, a urgência de
alfabetização e conscientização das massas.
Destaca as fontes de pensamento
do autor, a concepção de uma educação democrática. Que se baseia-se na
importância do diálogo, ressalta sua explícita filiação existencial cristã “[...] existir é um conceito
dinâmico. Implica uma dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com seu
Criador. É essa dialogação do homem sobre o seu contorno e até sobre os
desafios e problemas que o faz histórico.” (FREIRE, 1967, p. 59).
Weffort (1967, p.10), destaca as
experiências do método na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1962,
onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias. Entre junho de
1963 e março de 1964, desenvolveram-se cursos de capacitação de coordenadores
em quase todas as capitais dos estados. Em 1964, estava previsto a instalação
de 20.000 círculos de cultura para atender 2 milhões de alfabetizados, assim
daria início a campanha de alfabetização em escala nacional. Entretanto, o
movimento de educação popular foi atingido pelo Golpe de Estado em 1964,
interrompendo os trabalhos iniciados por Paulo Freire, que neste momento foi
preso e exilado. A proposta era sobre uma construção de uma pedagogia moderna,
uma educação para a liberdade, uma educação com diálogo, democrática e
conscientizadora. uma educação para responsabilidade social em relação a sua
vida. Uma visão sociológica muito importante, visada na cultura popular das
pessoas referente ao projeto brasileiro feito antes do golpe de 1964 a partir
do Recife, mas que se espalhou para o Brasil, conhecido como método do Paulo
Freire de alfabetização, tanto os educadores quanto aos educandos aprendiam
juntos. Pelos apontamentos destacados na introdução por Weffort, percebemos que
consegue despertar interesse aos interlocutores para a leitura completa da obra
que se lhes apresenta.
Neste sentido o primeiro capítulo intitulado A Sociedade Brasileira em
Transição, o autor descreve o caráter da filosofia existencial,” É fundamental,
contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não
apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua
abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é.” (FREIRE, 1967,
p. 39). Neste período, era necessário que pensasse no Brasil numa sociedade de
transição que mudava do agroexportação para a uma sociedade cada vez mais
urbana industrial, que requeria uma educação cada vez mais potencializada. Uma
educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política e
que o homem tivesse consciência crítica. “Por isso mesmo, numa sociedade em
transição como a nossa, subversivo tanto era o homem comum, emergente em
posição ingênua no processo histórico, em busca de privilégios, como subversivo
era e é aquele que pretendia e pretende manter uma ordem defasada”. (FREIRE,
1967, p.55). A preocupação de Freire sobre o perigo de assistencialismo era
notária, o antidiálogo, que obrigava o homem ao mutismo e passividade, que não
oferecia condições especiais para o desenvolvimento de sua consciência, que na
democracia há de ser cada vez mais crítica.
Conforme afirma o autor: “o assistencialismo, ao contrário, é uma forma
de ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessidades
fundamentais de sua alma a responsabilidade”. (FREIRE, 1967, p. 57). Ele queria uma educação que que propiciasse a
reflexão, que levasse em consideração os vários graus de poder de captação do
homem no sentido de sua humanização. Para Freire, “na medida, porém, em que
amplia o seu poder de captação e de resposta às sugestões e às questões que
partem de seu contorno e aumenta o seu poder de dialogação, não só com o outro
homem, mas com o seu mundo, se transitiva”. (FREIRE, 1967, p. 59). Essa
transitividade permeabiliza o homem, implica na verdadeira democracia. Diz o
autor:
Por isso mesmo que, existir, é um conceito dinâmico.
Implica numa dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com o mundo. Do
homem com o seu Criador. É essa dialogação do homem sobre o mundo e com o mundo
mesmo, sobre os desafios e problemas, que o faz histórico. Por isso, nos
referimos ao incompromisso do homem preponderantemente intransitivado com a sua
existência. E ao plano de vida mais vegetativo que histórico, característico da
intransitividade. (FREIRE, 1967, p. 59).
Por fim, no final desse capítulo Freire
envidencia que a mudança da transformação da transitividade ingênua para
transitividade crítica é o trabalho educativo crítico. E que a inserção do homem na capacidade de optar e o irracionalismo
sectário surgia a humanização do homem. Sendo que, “o crime dos que se
engajavam neste esforço era o de crerem no homem, cuja destinação não é
coisificar-se, mas humanizar-se”. (FREIRE, 1967, p. 62).
No segundo capítulo Sociedade Fechada e Inexperiência Democrática, inicia-se
com o a história do período do Brasil colonial e suas caraterísticas
escravocratas, a inexistência da participação popular dos analfabetos. Na
ausência de nossa formação histórico-cultural. Neste período de transição do
Brasil, de uma sociedade rural para uma sociedade urbana industrial, com seus
avanços e recuos. Diz o autor:
[...] sentido marcante de nossa colonização,
fortemente predatória, à base da exploração econômica do grande domínio, em que
o “poder do senhor” se alongava “das terras às gentes também” e do trabalho
escravo inicialmente do nativo e posteriormente do africano, não teria criado
condições necessárias ao desenvolvimento de uma mentalidade permeável,
flexível, característica do clima cultural democrático, no homem brasileiro.
(FREIRE, 1967, p.67).
Neste período de colonização faltou a intenção de criação da civilização,
no sentido de desenvolvimento da colônia. Afirma Freire,” faltou-lhes
integração com a colônia. Com a terra nova. Sua intenção preponderante era
realmente a de explorá-la. A de ficar sobre ela. Não a de ficar nela e com ela.
Integrados. Daí, dificilmente virem animosos de trabalha-la. De cultivá-la”.
(FREIRE, 1967, p. 68). Neste período
também, destaca o mutismo brasileiro, onde era negado o direito ao diálogo, a
comunicação. Para Freire, “o mutismo não é propriamente inexistência de
resposta. É resposta a que falta teor marcadamente crítico”. (FREIRE, 1967, p. 69). Neste
sentido era necessária uma educação que atendesse as necessidades do povo, para
que pudesse exercer a cidadania e usufruir de uma vida plena. E que o diálogo
implica na responsabilidade social e política do homem. Por isso o sucesso na
proposta pedagógica de Freire. Uma
educação voltada para uma conscientização, democracia e diálogo.” [...] a
dialogação implica na responsabilidade social e política do homem. Implica num
mínimo de consciência transitiva, que não se desenvolve nas condições
oferecidas pelo grande domínio.” (FREIRE, 1976, p. 70). Entretanto, o que
caracterizou este período, foi o mutismo do homem, a sua não participação na
solução dos problemas comuns. Isto se deve ao tipo de colonização que tivemos,
a exploração econômica, a submissão ao seu senhor, ao proprietário das terras.
Que decorria de acomodação, ajustamento e não integração, uma sociedade
fechada. Freire destaca “poder exacerbado a que foi se associando sempre
submissão. Submissão de que decorria, em consequência, ajustamento, acomodação
e não integração.” (FREIRE, 1967, p. 74). Em que a acomodação exige uma dose
mínima de criticidade. A integração, pelo contrário, exige um máximo de razão e
consciência. É o comportamento característico dos regimes flexivelmente
democráticos. O problema do ajustamento e da acomodação se vincula ao do
mutismo, o homem não dialoga. Esta foi a característica de toda a nossa vida
colonial, o homem sempre foi esmagado pelo poder dos senhores das terras, nunca
teve a sua organização na vida comum.
No terceiro capítulo “Educação versus Massificação”, Paulo Freire busca
respostas à luz de uma pedagogia que pudesse auxiliar a sociedade brasileira a
construir sua democracia. Para tanto, era necessária uma educação que
desenvolvesse a criticidade. De acordo com Freire (1967, p.85-86)
Estávamos convencidos, e estamos, de que a
contribuição a ser trazida pelo educador brasileiro à sua sociedade em
“partejamento”, ao lado dos economistas, dos sociólogos, como de todos os
especialistas voltados para a melhoria dos seus padrões, haveria de ser a de
uma educação crítica e criticizadora. De uma educação que tentasse a passagem
da transitividade ingênua à transitividade crítica, somente como poderíamos,
ampliando e alargando a capacidade de captar os desafios do tempo, colocar o
homem brasileiro em condições de resistir aos poderes da emocionalidade da
própria transição. Armá-lo contra a força dos irracionalismos, de que era presa
fácil, na emersão que fazia, em posição transitivante ingênua.
Dessa forma, teria que ser uma educação ousada que
transformasse a postura do sujeito no enfrentamento de problemas, apoiando no
debate para a tomada de consciência. Uma educação que se apartasse de modelos
importados, do elitismo, da memorização de conceitos, promovendo a criatividade
e o pensamento crítico. Uma educação não mais arbitrativa, antidemocrática, mas
sim democrática que apoiasse no diálogo como forma de construção do
conhecimento e além de tudo que levasse em conta as discussões dos problemas
econômicos e da realidade social brasileira.
Cada vez mais nos convencemos, aliás, de se
encontrarem na nossa inexperiência democrática, as raízes deste nosso gosto da
palavra ôca. Do verbo. Da ênfase nos discursos. Do torneio da frase. É que toda
esta manifestação oratória, quase sempre também sem profundidade, revela, antes
de tudo, uma atitude mental. Revela ausência de permeabilidade característica
da consciência crítica. E é precisamente a criticidade a nota fundamental da
mentalidade democrática. (FREIRE, 1967, p. 95).
Para Freire só seria possível formar uma
mentalidade democrática por meio de um novo modelo educacional que consentisse
ao homem aquisição de autonomia no debate dos problemas sociais. Era necessário
desenvolver um pensamento democrático, pois à medida que iam surgindo novas
influências, o país dirigia para uma ascensão de pensamento popular. Diante das
influências da televisão, do rádio que acentuavam as percepções populares era
necessário promover uma conscientização por meio da educação.
Neste
sentido, no último capítulo do livro: “Educação e Conscientização”, Paulo
Freire apresenta um resumo do que foi o método de educação popular que visava
atender a uma formação de qualidade para a educação, o autor criticou a escola brasileira
existente, propondo um método diferente de ensinar, os círculos de cultura
o qual afastava qualquer hipótese de uma
alfabetização puramente mecânica.
Estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia a de que
precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realmente
instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o
homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito. E se já
pensávamos em método ativo que fosse capaz de criticizar o homem através do
debate de situações desafiadoras, postas diante do grupo, estas situações
teriam de ser existenciais para os grupos. Fora disso, estaríamos repetindo os
erros de uma educação alienada, por isso instrumental. (FREIRE, 1967, p.106).
Assim
sendo, o método da educação popular colocou a alfabetização do homem
brasileiro, em posição de tomada de consciência, na emersão que fizera no
processo de nossa realidade. Um trabalho que promoveu a ingenuidade em
criticidade, ao mesmo tempo em que ocorria a alfabetização. Assim, a partir de um método
de alfabetização para adultos Paulo Freire propôs uma educação baseada no
diálogo, visando aliar à alfabetização a mudança para uma consciência
transitiva e crítica identificada com a realidade, capaz de modificá-la. O
método de alfabetização atrelado à realidade do educando, fortalece-o como
sujeito, proporciona a ele uma cultura capaz de colocá-lo em sintonia com o
fazer social, motivando-o a intervir em seu processo de aprendizagem, agindo e
refletindo sobre sua ação de mudança e transformação em um cidadão crítico e
participativo. Uma educação para o
desenvolvimento, que não excluísse as pessoas das camadas populares, através
das experiências realizadas sobre alfabetização. Neste sentido, para que este
método desse certo teria que ser fundamentado no diálogo, numa relação
horizontal entre educador e educando, entre todos os participantes da prática
educativa.
Portanto, para Paulo Freire a educação é “um ato de amor, por isso, um
ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir
à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (FREIRE, 1967, p. 97). Precisamos de uma Pedagogia de
Comunicação, para vencermos o desamor acrítico do antidiálogo.
O livro é recomendado a todos
educadores e aqueles que se interessam por questões imanentes à educação, ética
e cidadania.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
FREIRE, Paulo. Educação
como prática da liberdade. São
Paulo: Paz e Terra, 1967. 157 p.